STJ decide que é necessário a quitação do imóvel para a adjudicação compulsória
Quitação integral é fundamental, mesmo com prescrição de parcelas
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Recurso Especial nº 2.207.433/SP, consolidou o entendimento de que a teoria do adimplemento substancial não pode fundamentar pedido de adjudicação compulsória. Especialista explica a relevância jurídica da decisão, o que é adjudicação compulsória e quais os requisitos exigidos por lei.
A Terceira Turma do STJ estabeleceu que a teoria do adimplemento substancial não se aplica à adjudicação compulsória de imóveis. Foi decidido que a adjudicação compulsória (ação judicial que tem por objetivo a obtenção de sentença que substitui a vontade do vendedor para fins de transferência da propriedade) exige a quitação integral do preço pactuado, mesmo que as parcelas remanescentes já estejam prescritas.
O caso julgado versou sobre a compra de um imóvel em 2007, em que o casal comprador realizou o pagamento de 80% do valor e, após o vencimento das parcelas remanescentes, não houve qualquer cobrança da incorporadora. Transcorrido o prazo prescricional de 5 anos, previsto em lei para a cobrança de dívidas desta natureza, foi ajuizada a ação declaratória de prescrição cumulada com pedido de adjudicação compulsória do imóvel. A ação foi julgada procedente em primeira instância, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a sentença, mantendo o reconhecimento da prescrição e afastando o pedido de adjudicação compulsória que, na ótica do TJSP, só seria viável com a demonstração da quitação total do contrato, o que levou o STJ a reavaliar a questão.
No acórdão, a relatora ministra do STJ, Nancy Andrighi, fundamentou o entendimento com base em dois pilares legais. Primeiro, destacou que a teoria do adimplemento substancial — prevista no âmbito da boa-fé objetiva — não suprime a exigência legal de demonstração do pagamento integral para a adjudicação compulsória, pois sua aplicação nessa hipótese criaria estímulo ao inadimplemento deliberado das parcelas finais e comprometeria a boa-fé contratual. Conforme enfatizado pela ministra, a prescrição extingue a pretensão de cobrança; contudo, não extingue a dívida em si, de modo que o simples reconhecimento da prescrição não basta para afastar a necessidade de demonstração de quitação integral exigida para a adjudicação compulsória.
Sobre a adjudicação compulsória, prevista nos artigos 1.417 e 1.418 do Código Civil, o advogado Douglas Cabral, especialista em Direito Imobiliário no escritório Barcellos Tucunduva Advogados, esclarece que se trata de um instrumento jurídico que permite ao comprador, na hipótese de recusa injustificada do vendedor em outorgar a escritura definitiva, ajuizar ação para obter a sentença que substitui a vontade do vendedor para fins de transferência de propriedade do imóvel, desde que o comprador tenha cumprido integralmente suas obrigações contratuais e desde que sejam observados todos os requisitos legais.
Segundo ele, a decisão reafirma que mesmo que os compradores tenham quitado mais de 80% do valor de compra e mesmo que haja o reconhecimento da prescrição do saldo devedor residual, isso por si só não basta para permitir a adjudicação compulsória do imóvel, sendo necessária a demonstração da quitação integral da compra. “O voto da ministra é fundamentado na distinção entre a dívida que existe e a dívida que pode ser exigida. A prescrição impede a cobrança judicial da dívida, mas não demonstra a quitação integral do débito, e o adimplemento substancial — uma construção da boa-fé objetiva — não se estende às situações reguladas pela adjudicação compulsória”, diz o advogado.
Diante desse cenário, o advogado destaca duas alternativas práticas ao comprador inadimplente cujo saldo restante já esteja prescrito. “A primeira alternativa seria negociar diretamente com o vendedor a outorga da escritura definitiva, de modo consensual, para evitar a tramitação judicial. A segunda alternativa seria ingressar com a ação de usucapião correspondente para obter o reconhecimento da propriedade pela prescrição aquisitiva, conforme sugerido pela ministra em seu voto, desde que estejam preenchidos todos os requisitos legais, como, por exemplo, a posse mansa, pacífica e prolongada e o animus domini (intenção de ter a coisa como sua).
Cabral observa que o acordo tende a ser mais rápido e econômico, enquanto a usucapião exige planejamento, análise técnica, documentação robusta e atenção aos prazos legais. “O reconhecimento da necessidade de demonstração do pagamento integral da compra imposta pelo STJ elimina qualquer margem para adjudicação compulsória baseada em quitação parcial ou prescrição residual da dívida, restando ao comprador apenas a via consensual com o vendedor ou a usucapião como alternativas legítimas para a regularização da propriedade”, ressalta o especialista.
Fonte: Douglas Cabral: advogado, pós-graduado em Direito Imobiliário (EPD), especialista em Processo Civil pelo Mackenzie, advogado no escritório Barcellos Tucunduva Advogados e membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM).